O meu carro caiu dentro de água. Sinto a água a entrar pelos vidros mal fechados, pelas frinchas mal soldadas e eu vou sufocando aos poucos. Tento abrir as portas mas estão trancadas e eu nao consigo abrir, começo a entrar em pânico e a engolir água e sinto o tenebroso preenchimento dos meus pulmões pela água. De repente a criança puxa o carro de dentro da banheira e a água escorre para fora do carro e eu sinto que posso respirar apesar de extremamente desconfortável e da dor que sinto por dentro. "Mãe! Mãaaaaae! Afoguei a boneca!" "É uma boneca de plástico" diz a mãe carinhosamente "e o plástico não sente".
As bonecas de plástico não se chateiam, não ficam incomodadas, nunca ferem os seus sentimentos, são sempre doces e gentis, sempre prontas para serem usadas em todo o tipo de jogo, não explodem a menos que alguém lhes plante uma bomba no coração. E quando explodem, alguém varre os restos da boneca para um saco do lixo e diz amavelmente à criança "não chores, eu compro outra" e passado 2 minutos a boneca de plástico nao existe mais e foi como se nunca tivesse existido.
A boneca de plástico nao se queixa. Está sempre tudo bem com ela, e ninguém espera que uma criança agradeça a uma boneca. A boneca não precisa de ser reconhecida. A boneca é feita para não sentir a solidão. Um dia está no palco, no outro dia está no fundo do baú. As bonecas de plástico nao distinguem afectos, nao sabem apreciar carinho.
As bonecas de plástico podem ser escapatórias para a realidade, como podem servir para aliviar a realidade. A criança zanga-se, fica amuada e faz birra e pega na boneca e atira-a contra as paredes insulta-a e arranca-lhe a cabeça os braços e as pernas e deixa-a ficar desmembrada num canto, e logo se esquece dela. Mais tarde acaba por consertá-la e volta a pô-la na prateleira e tudo fica bem. Às bonecas de plástico não se pede desculpa, porque elas não sentem dor.
As bonecas de plástico são uma companhia essencial para crianças que estão sozinhas. A boneca é uma companhia mas não é uma amiga. Assim que outra criança chega, a boneca é largada no meio do chão e as duas crianças brincam e saltam e correm e se pisam a boneca nem notam. Uma boneca de plástico nunca oferece emoções que uma amizade verdadeira oferece. É apenas um objecto.
As bonecas de plástico não choram. Têm sempre um sorriso na cara. Nunca ficam tristes. Têm sempre um sorriso na cara. Não se importam de ser trocadas. Têm sempre um sorriso na cara. Não se importam se ninguém lhes dá valor. Têm sempre um sorriso na cara.
As bonecas de plástico são vazias por dentro e são sempre iguais por fora.
Algumas bonecas de plástico são apetrechadas com diapositivos de sons, mas depressa se gastam. Ninguém tem paciencia para as ouvir. As bonecas de plástico nao vêm, nao ouvem, nao cheiram, não sentem, não saboreiam.
"Eu não sou a merda de uma boneca de pástico!". No entanto, rapidamente fecham o baú e fica tudo escuro à minha volta. Seriam considerados malucos, se ouvissem uma boneca de plástico falar.
Por :
Gabriella Sweet '='